AS “JANELAS”
Aproximadamente um ano antes, fui com o Otto e o Cruel pela primeira vez ao lugar, e pudemos comprovar que o tempo por lá não é muito amigável. Relato aqui.
Estudando o guia…
Funciona mais ou menos assim: você fica monitorando diariamente sites de previsão do tempo e aguardando uma boa “janela”, como são chamados os períodos de bom tempo, as tais janelas duram normalmente dois ou três dias no máximo, quando muito, cinco ou seis dias (raramente acontecem).
Muitas coisas influenciam na sua “janela”, ano passado abriam janelas de um ou dois dias, porém nos dias anteriores nevava muito, impossibilitando algumas escaladas. Basicamente três coisas devem se alinhar: temperatura, vento e precipitação. Em uma janela boa a temperatura pode passar dos 20°C, a precipitação zera e o vento para completamente! Nos diziam isso ano passado e era difícil de acreditar que dias assim existiam em Chaltén.
A PASSAGEM
Dezesseis de janeiro de 2015 foi a data escolhida, com meses de antecedência, para o início da minha segunda “temporada” em El Chaltén, Argentina.
A ideia maluca de repetir a trip pelo segundo ano consecutivo foi do Otto, dessa vez 25 dias seriam suficientes pra escalar ou voltar pra casa injuriado.
Dias antes da partida estávamos de olho no windguru.com, e achamos estranho quando começou a aparecer uma sequência de dias perfeitos no fim da previsão, a janela foi se mostrando firme e não paravam de aparecer dias bons na sequência, chegamos a pensar que o site tava bugado, hahaha.
Pegamos o avião de Recife (eu) e Curitiba (Otto) pra Guarulhos, depois seguimos pra Buenos Aires, trocamos de aeroporto lá e pegamos o último vôo pra Calafate, chegamos lá já era dia 17/01, primeiro dia de tempo bom, segundo a previsão. De Calafate ainda seguimos de van até El Chaltén, onde finalmente chegamos apenas às 19h.
PREPARAÇÃO
Não pode ultrapassar o limite!!
Nos alojamos no camping El Refugio, compramos comida pra cinco dias, isso mesmo, teríamos cinco dias de tempo bom pela frente! O cardápio, que se mostrou muito interessante: Aveia no café da manhã, castanhas e frutas caras secas durante o dia e sopa de macarrão com algum salame/atum/queijo de noite.
Mochila pra 5 dias!
Jantamos, e dormimos com a mochila pronta pra começar os trabalhos no dia seguinte.
APROXIMAÇÃO POLACOS
Dia 18 de janeiro, primeiro dia da janela pra nós, café da manhã reforçado, mochila nas costas e caminhada até o camp Polacos. O Polacos nada mais é do que uma pedra grande com um muro de pedras improvisado pra proteger a barraca (nós levamos uma) do vento. Ele fica entre as cadeias do Fitz Roy e do Cerro Torre, mais próximo das agulhas do lado do Fitz.
Pra chegar lá, a caminhada de aquecimento consiste em 10km até a Laguna Torre, esse trecho é em trilha batida e bem sinalizada, pois muitos turistas vão visitar a laguna e ver o cerro torre ao fundo. Depois que chega na laguna atravessa uma tirolesa e em mais alguns km começa a parte chata da trilha: as morainas! Mais 10km de pedregulho e cascalho, um glaciar pra atravessar, mais pedregulho e chega-se ao Niponino, um acampamento mais baixo e mais centralizado, depois mais 1h de pedregulho e chegamos ao destino. Foram quase dez horas de Chaltén a Polacos. Jantamos e dormimos, pensando no que viria pela frente no dia seguinte.
Após a tirolesa, passando ao lado da Laguna Torre
Final do Glaciar Torre (?)
Fitz Roy, Desmochada, Poincenot e Rafael Juarez
Durante a viagem ficamos olhando os croquis das nossas opções principais, mais amenas: Medialuna, Mocho, la’S, mas por algum motivo uma via nos chamava a atenção, a Chiaro de Luna, descrita no guia como uma via três estrelas, uma das melhores da área. Ficamos com ela na cabeça até que finalmente chegou a hora de escolher nosso rumo para a primeira tentativa, titubeamos um pouco, pensamos em talvez fazer uma via mais fácil na mesma agulha, mas acabamos decidindo arriscar essa escalada! Não teria outra escolha melhor!
Acordamos 3:30 e enquanto tomávamos nossa aveia com café, passam por nós um trio de americanos vindo do Niponino indo escalar a mesma via, engolimos o que faltava e seguimos na cola deles. Do acampamento não dá pra ver a montanha e um pouco de navegação é necessário pra achar o caminho até a base. Quanto mais próximo da via, mais fácil fica, pois o caminho perde inclinação e você passa a enxergar a base da montanha e da via, facilmente identificável pelo dique de basalto que corta a agulha inteira.
Poincenot, Rafael e Exupéry!
Em três horas (o dobro do indicado no guia) chegamos na base da via, na verdade já na P1, após a rampa de neve inicial, onde aguardamos o trio que estava na nossa frente sair pra podermos começar.
Finalmente começamos a escalar, cerca de 8:00, e comecei guiando o dique e o diedro da sequência, depois Otto tocou o crux da via, um diedro lindo de 6b+, bem duro, toquei um 6b mais amigável e depois escalamos lindas enfiadas de 5+ e um 6a+ estranho onde roubei feliz da vida, com mais um trecho bem positivo de uns 80m concluímos a primeira parte da via, o primeiro “pontão”. Tínhamos escalado 9 enfiadas, de um total de 19, já estávamos cansados, mas mantínhamos um bom ritmo, uma certa preocupação com a hora nos fez pensar se o certo seria continuar ou não, como o tempo não ameaçava mudar, resolvemos seguir e assumir a possibilidade de um bivaque emergencial, mas continuamos seguindo e desfrutando muito da via!
CRux! Final do 6b+
Descanso
Tocamos mais um trecho e encontramos os americanos na frente novamente, aguardamos um pouco e seguimos, não tínhamos velocidade para ultrapassá-los, mas eles também não iam tão rápido pra se distanciar de nós, então ficou aquele embaço de leve…de vez em quando dávamos uma esperadinha nas paradas. Apesar desta demora, eles acabaram nos dando mais confiança para continuar nosso looongo dia de escalada. Passamos pela última enfiada de dificuldade da via, um 6b lindo, que começava fácil e ia piorando, até chegar numa oposição de pés chapados protegida com microfriends, na qual claro, tive que “agilizar” (bonita palavra né…). Pra cima só algumas enfiadas de 5+ de chaminé, três americanos, e o cume! Deixamos as mochilas na parada (daí pra baixo o rapel segue por outra linha, diferente da via) e partimos pro sprint final, as chaminés são um pouco chatas, mas seguimos para o cume, onde chegamos às 20:00, com sol (dias longos, a única coisa garantida no verão patagônico), batemos umas duas fotos, demos um 360° e começamos a descer, acho que não passamos nem 5 minutos por lá, o caminho era longo pra baixo!
Rapelamos as chaminés, depois pegamos a sequência de rapéis que não passa por nenhuma via, uma linha mias direta até alcançar novamente a via Kearing Haryngton, depois mais alguns rapéis chegam já na rampa de neve, lá pelas 23h. Essa linha de rapel é bem mais rápida, curta e direta do que rapelar a própria via, entretanto, por não ser uma via de escalada, se a corda prender o bixo pega! Felizmente a corda não prendeu nenhuma vez, e quanto a última corda do último rapel caiu no chão até os americanos comemoraram, gente boa esses três malucos, desceram bem rápido até o Niponino, e nós bem devagar, bem devagar mesmo, até o Polacos.
Finalizamos nosso longo dia às 3:00 no polacos, após cerca de 23h de atividade, jantei um copo de sopa de macarrão muito gentilmente preparado pelo Otto e dormi profundamente até o dia seguinte às 14h.
Que via!!! Que escalada!! Que lugar!! Que cansaço!!! =D
Pra quem quiser dar uma olhada no traçado da via, acesse PATACLIMB.com
Continua…
Este comentário foi removido pelo autor.
Parabéns!! Linda escalada!
Parabens garotinho! Lendo sua escalada lembrei do primero día q vc apareceu na vertical lembra falei pro Rogerio esse menino vai mandar muito na escalada e realmente tinha toda a razão do mundo parabens e sigue fazendo muitas viagens dessas abrazos desde de espanha