A ideia de ir escalar no Peru surgiu quando ouvimos falar pela primeira vez sobre a Esfinge, uma parede de mais de 700m cujo cume ficava a 5325m de altitude, isso foi em 2014, em El Chaltén. Somente quatro anos depois conseguimos encaixar essa trip nas nossas agendas e lá fomos nós, dia 03 de junho de 2018, rumo à mais uma aventura, a primeira escalada nossa a mais de 3000m. Hatun Machay foi nossa escolha, que mesclou diversão (escalada) com aclimatação para a Esfinge. Nesse texto vou escrever sobre a a viagem, com o maior detalhamento possível, pra ficar como referência pra quem quiser ir pra lá um dia.
Saí de Salvador/BA dia 03/07 e cheguei em Lima, onde encontrei o parceiro de roubadas, Otto. Trocamos um pouco de dinheiro no aeroporto mesmo (Dólar, trazidos do Brasil, por nuevos soles, ou simplesmente soles). Dormimos no Tupac Hostel (95 soles p/2).
Pegamos um Uber (13 soles) até o Terminal Plaza Norte (Rodoviária), de onde pegamos um ônibus da empresa Línea para Huaraz (35 soles / 8h de viagem). Existem diversas empresas que fazem esse trajeto, compramos com antecedência a passagem, mas não seria necessário.
Garchu Comilón 6a+
Chegamos de noite em Huaraz (3000m), que é uma cidade rodeada por montanhas, e uma das principais atividades é o turismo de aventura. É possível encontrar tudo o que precisar por lá, loja de equipamentos, restaurantes bons e baratos, hostels, serviços de guia, etc. Trocamos mais alguns dólares com melhor cotação na rua principal (na data 1 dólar = 3,25 soles), não aceitavam Reais para troca. Compramos comida, gás e jantamos antes de ir pro Hotel Cayesh (64 soles p/2), que reservamos antes também.
Dia 05/07 pegamos um taxi para Hatun Mahay (4300m), distante 80km da cidade de Huaraz, combinamos a data da volta e depois de muita negociação conseguimos tudo por 160 soles (inicialmente ele pediu 300). Foram 2h de viagem até Hatun, boa parte no asfalto e o final na estrada de terra. O carro para na porta do abrigo, ão precisa caminhar nada, então dá pra levar o “kit conforto” pro camping.
De Ladito 6b
Hatun Machay é um “Bosque de pedras” no meio do nada, um afloramento de rocha vulcânica com um montão de vias esportivas bem protegidas, a mais de 4 mil metros de altitude. Como nosso plano era seguir de lá pra Esfinge (5325m), Hatun foi a escolha para passarmos 7 dias (acabamos ficando apenas 6) sentindo os efeitos da altitude, e nos adaptando a eles. Uma coisa que poderíamos ter feito era ter passado ao menos um dia em Huaraz caminhando, para facilitar a aclimatação, mas a sede de pedra foi maior.
Chegamos por volta das 11h no “abrigo”, que na verdade podemos chamar apenas de camping. Faz alguns anos, o abrigo era de um escalador, tinha quarto coletivo, cozinha, banheiros, restaurante e o camping, houve algum desentendimento entre o dono e a comunidade local, o que gerou uma situação surpreendente: o cara ateou fogo no abrigo e saiu arrancando as chapeletas das vias. A estrutura está sendo limpa e tem uma reforma prevista, a ser feita pela administração, que agora está por conta da comunidade local. Em junho de 2018 estava livre apenas a área de camping, uma pequena cozinha e banheiros (duas privadas e um chuveiro frio), o custo é de 10 soles por noite + uma taxa de entrada de 10 soles.
Quanto às chapeletas das vias, já foram em grande parte recolocadas, mas ainda existem muitas vias desequipadas, não chega a impedir ninguém de passar ao menos uma semana por lá escalando vias inéditas todo dia, mas você vai inevitavelmente dar de cara com alguma via desequipada. Vale levar na bagagem algumas chapeletas e porcas para recolocar em algumas vias, de pouco em pouco tudo será recuperado.
No mesmo dia que chegamos já fomos conhecer o setor mais próximo, a 10 minutos de caminhada do abrigo, “Sector Erótico” onde escalamos 4 vias de 5+ a 6a+ (graduação francesa, usada no local), com cerca de 20m cada. Sentimos a diferença que faz 4300m de altitude, tínhamos que escalar devagar, sem movimentos bruscos pra não ficar com muita falta de ar. A noite chegou junto com o frio, antes de dormir veio a dor de cabeça leve, tomei uma aspirina e fui dormir, o frio aumentou (deve ter feito ~0ºC) e a insônia marcou presença nessa primeira noite, que foi a pior da trip.
Luzzmilla 5+
Acordamos cansados, mas melhores, e depois de um bom café preto brasileiro seguimos pro mesmo setor, onde escalamos algumas vias mais difíceis, dentre elas “Con El Pelado Todo És”, um 6b no croqui, que após a quebra de várias agarras, deve estar por volta de 7a ou 7a+ de crux concentrado. Quase desmaiei de tanta força que fiz pra não cair, mas saiu a cadena à vista, além dessa, escalamos mais três vias técnicas de 6a, 6b e 6c ao lado dela. A segunda noite foi melhor, com mais uma meia no pé e uma garrafa de mijo maior…kkkkkk
Kumbaya 6b
Terceiro dia de escalada resolvemos arriscar conhecer uns setores mais distantes, à esquerda, fomos à Muralla, onde quase todas as vias estão desequipadas (por completo ou no início), conseguimos escalar duas bonitas vias (laçando parabolts ou usando peças móveis): Ios Todos a Tomar por Culo 6a+ e Luzzmilla Need Poronga 5+. Continuamos andando e escalamos mais três vias no próximo setor, acredito que o terceiro setor, chamado “Refujeros”, seria o mais interessante, mas nossa energia acabou antes de chegar lá, e como a caminhada de volta foi morro acima, não ficamos muito animados pra voltar lá outro dia.
Chucru Rani 6a+
Quarto dia em Hatum Machay, demos um descanso pros braços e encaramos uma caminhada de aclimatação em um morro perto do abrigo, cujo cume estava a 4750m, o Punta Chonta, é fácil, basta mirar no morro que tem a antena e subir, optamos por subir passando antes em um cume vizinho, mais baixo, e descer pelo pasto. Lá em cima tem uns restos de muralhas incas…levamos 4h pra subir e descer tudo, sentimos cansados, mas conseguimos administrar bem o ritmo. De noite bateu uma dor de cabeça novamente, mais uma aspirina e a noite foi boa.
Eu e Otto na caminhada ao Punta Chonta
Acordei com um pouco de dor de garganta e já tomei um anti inflamatório (mitas drogas, né?) pra não deixar ela piorar, de dia tudo tranquilo novamente, exceto o frio, que congelava a gente quando passava uma nuvem escondendo o sol. Resolvemos ir andando pra direita e escalar só as vias que achássemos bonitas, pois até agora escalávamos tudo que julgávamos ser escalável em uma ou duas entradas. Escalamos dois 6a+ na Placa Verde, La Argentinidad 6b+ e outra em Las Pqueñas, Welcome to Huaraz 6b+ em La Fissura, essa é uma fenda linda em diagonal pra esquerda, infelizmente o conquistador optou por chapeletar ela do início ao fim, como as chapas já estavam lá, nos restou usá-las e reclamar depois (kkkk). Tahogi 6a em El Principe e a lindíssima Picaflor 5+ no setor de mesmo nome. A caminhada de volta foi até triste nesse dia.
Welcome to Huaraz 6b+ fixo ¬¬
10/06, resolvemos que seria nosso último dia em Hatun Machay. A ideia inicial era passar 7 dias lá e seguir pra Esfinge com apenas 1 dia de descanso no meio, mas resolvemos descer antes pra Huaraz, descansar, tentar subir um 5000 em um dia (que foi uma ideia não muito boa, conto no próximo post), descansar mais um dia, para só então ir à Esfinge. Conseguimos uma carona com o David, Chileno que estava trabalhando como refujeiro do abrigo e precisava descer pra comprar comida, mas antes rolou uma escaladinha, claro! Fizemos 4 vias em La Tapia, de 6a a 6b+ e na Placa Verde a lindíssima Tyahoid 6b+ e o 6c à sua esquerda.
Picaflor 5+
Picaflor 5+
Nos últimos dias já sentíamos melhora no desempenho, mas não escalamos nada que não nos fez cansar, um mero 5+ ainda tinha que ser feito com calma e paciência. As noites foram melhorando aos poucos, as dores de cabeça e insônia diminuindo, mas o cansaço, continuava lá.
Carona de volta, me procure na foto.
De volta à Huaraz ficamos hospedados no Hostel Big Mountain (65 soles quarto p/2), hostel mais movimentado, onde funciona também uma agência de turismo de escalada, bom lugar pra pegar betas, boa localização. De lá fomos ao Rima Rima e á Esfinge, mas isso fica pro próximo post.
Apoio: SBI_OUTDOOR e MBUZI